terça-feira, 15 de janeiro de 2008

O novo bio-fóssil-combustível

Para ajudar no esclarecimento, conversei com o engenheiro mecânico Thomas Fendel – expert no assunto. O que é vendido como biodiesel brasileiro, explicou-me Thomas, vem a ser a mistura de muito diesel fóssil (derivado do petróleo) com um pouquinho do produto final oriundo de uma "sopa" de óleo vegetal (ou outra gordura natural), mais etanol (ou metanol) e soda cáustica (ou outra base ou ácido). O preparo desta "sopa" passa por um oneroso processo da transesterificação, que envolve aquecimento, retirada da glicerina e adição de aditivos para estabilização da mistura química.

Hoje, as regras brasileiras - muitas elaboradas pela ANP/Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis - determinam que o resultado desta "sopa" seja misturado ao diesel fóssil na proporção de - apenas - 2% (percentual que se tornará obrigatório a partir de 2008). Ora, isso significa que o uso desse novo bio-fóssil-combustível, com 98% de componente fóssil, continuará emitindo componentes nocivos ao meio ambiente... quase mesma proporção do óleo diesel.

Alguns fabricantes de máquinas já aceitam o índice de 5%, como é o caso da Massey Ferguson, cuja frota está apta ao uso de B5 (5% de biodiesel + 95% de diesel fóssil). Não lhes parece, caros leitores, que isso pouco ajuda no combate ao aquecimento global e na defesa do meio ambiente?

Mercado do Biodiesel

Para Fendel, o ‘biobobo’ (quem o conhece sabe que é assim que ele denomina esse produto) é uma falácia. Ele insiste em afirmar que todo esse processo poderia ser evitado, gerando mais lucro para o produtor do óleo vegetal: qualquer motor diesel aceita "trabalhar" diretamente com óleo diesel + 20% de óleo vegetal qualificado, sem necessidade de adaptações mecânicas ao motor.

O pai do Proálcool, Bautista Vidal, também defende a utilização direta de óleo vegetal em motores, em detrimento do biodiesel, porque já existe tecnologia para tanto. E entende que o Programa Nacional de Biodiesel apresenta graves erros:
"Temos que usar o óleo. Por que produzir o biodiesel, se isso encarece o processo e o óleo é melhor?"

No Brasil, o mercado deste novo produto – rotulado enganosamente como milagroso – ganhou expansão a partir de maio de 2006. A Petrobras já conta com 10 produtores de biodiesel, e o número deve crescer para 23 até o final de 2007.

Nem todo biocombustível é biodiesel

Biodiesel é apenas uma espécie de biocombustível. E a mídia gera confusão ao tratar do tema: repassa-nos a idéia de que o biodiesel é o mesmo óleo vegetal extraído das oleaginosas. Mas não se trata disso, como explicou Fendel. Mas o incentivo do uso de biocombustíveis que colaborem para o esfriamento do planeta é altamente salutar para
o meio ambiente, para o mercado do agronegócio e para o bolso do agricultor.

Claro que a falta de produção de oleaginosas leva à falta de matéria-prima. Por isso, é preciso que suas vantagens sejam divulgadas:

  • o biocombustível é produzido a partir de matéria-prima vegetal renovável – soja, pinhão manso, macaúba, babaçu, dendê, girassol, mamona e outros – ao contrário dos combustíveis fósseis;
  • sua produção provoca o "esfriamento global";
  • a utilização do biocombustível na própria frota dos veículos dos produtores representa economia direta no bolso: sem gastos na compra de óleo usado nas máquinas haverá, em decorrência, redução dos custos de produção.

Mas temos poucos exemplos destas iniciativas. Na verdade, os estudos sobre a produção do biocombustível ainda não saíram totalmente do papel. E a estrutura necessária para a produção do produto final exige investimentos e conhecimento técnico.

As regras do jogo no Brasil

Os produtores que misturam o óleo vegetal ao diesel ou que usam somente o óleo vegetal são tratados como bandidos pelo fato de estarem exercendo o direito de produzir o seu próprio combustível. São assustados com os supostos perigos de dano ao motor dos tratores e das colheitadeiras, e da alteração negativa de rendimento
deste maquinário. As grandes companhias de distribuição – manipuladas pelas transnacionais do petróleo – estão preocupadas com o mercado clandestino do biocombustível, óleo vegetal que alimenta motores de caminhões
e de máquinas agrícolas, principalmente na Região Centro-Oeste do país. E já acionaram a ANP que, por sua vez, está fiscalizando esse "uso clandestino" e punindo os "fora-da-lei".

Por que isso ocorre? Por dinheiro e nada mais. As grandes distribuidoras estão perdendo volume de mercado. Estão deixando de vender o ‘bobodiesel’ para o agricultor que descobriu que pode usar o óleo vegetal que produz no motor do seu trator ou caminhão. Para o professor Adriano Benayon, doutor em Economia e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento (Escrituras Editora, 236 pp., 1ª edição), as pequenas usinas de biocombustíveis terão
dificuldades para prosperar no Brasil enquanto aqui vigorar a regulamentação imposta pelo Banco Mundial, que exige especificações técnicas que só as grandes usinas podem atender. Tal medida, que fere os interesses sociais e econômicos do Brasil, foi implantada após o início do Proálcool.

Conclusão

Diante de tanta novidade e de tantas informações desencontradas, precisamos conhecer melhor o assunto biocombustível, questionar, buscar dados científicos seguros... olhos e ouvidos abertos! Não podemos aceitar
pacotes de informações manipuladas pelo interesse econômico petrolífero.

Embora veículos movidos a biocombustível pareçam novidade na tecnologia automobilística, sua proposta é antiga. Em 1897, Rudolf Diesel utilizou óleo de amendoim em seu motor ‘diesel’. Henry Ford acreditava no etanol como o combustível do futuro. Seu Ford T de 1908 – modelo que imortalizou o uso do automóvel – funcionava tanto com o biocombustível etanol como com gasolina.

Ana Echevenguá, advogada ambientalista, coordenadora do programa televisivo Eco&Ação-Ecologia e Responsabilidade (http://www.ecoeacao.com.br) e colaboradora e articulista do EcoDebate.Publicado originalmente em www.EcoDebate.com.br - 14/06/2007

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